Na Terra dos Medos
NA TERRA DOS MEDOS
Historia verídica passada na aldeia do Peso no ano de 1949
Naqueles tempos recuados em que não havia luz, água ao domicilio e o mais pequeno rumorejo à noite, fazia os homens arfar de medo.
Por isso, não era estranho aparecerem alguns ditos espertos …
O ano foi de uma grande seca, no verão faltava a água no Ribeiro do Braçal e havia o cultivo do milho e feijão frade, cuja rega era feita por dias da semana acordada pelos vizinhos, conforme o tamanho da parcela do terreno.
Parecia tudo correr normal até que um dia começou a sentir-se ao cair da noite e pela noite dentro uns mugidos na aldeia do Peso que mais pareciam umas vaquinhas em aflição.
No Peso e até nalguns sítios, na Coutada, a partir dessas horas ninguém mais abria as janelas.
Até que um dia, vários caçadores locais munidos de caçadeiras e zagalotes foram de noite ver o que se passava.
Foram encontrar no Ribeiro do Braçal, numa casa de arrumos, propriedade de gentes da terra, a filha dos proprietários com a sua prima com uma fogueira acesa no interior da casa e por elas era puxada uma vara, numa espécie de reco-reco, feito de um alcatruz de barro, tendo no cimo uma pele e um buraco no topo, que puxando fazia soar pelo silêncio da noite.
E assim iam aproveitando, com uma lanterna para regar o milho, nos dias que os vizinhos, borrados de medo, não saiam de casa.
A partir desse dia, ninguém mais teve medo, segundo a crendice popular até o lobisomem deixou de aparecer pelo cheiro da pólvora.
2016/09/12
José Batista Vaz Pereira
NA TERRA DOS MEDOS II - A aldeia do Peso era uma terra aonde toda a gente se conhecia e respeitava. - Não havia em casa água, ,luz, telefone,rádio e a juventude tinha a sua própria imaginação.-. O seu ponto de encontro era no largo do chafariz das duas bicas, sentados num pequeno muro junto à casa do Manuel Morão. - Passava-se o tempo com pequenas coisas que para nós eram grandes coisas(...) um dia ouvimos pessoas a cantar vindo duma Eira das Portelas. Era uma desfolhada de milho, apareceu o milho rei fez-se ouvir mais barulho, um realejo a tocar e acompanhado em canto t " Sachadeiras do meu milho/ sachai o meu milho bem,/ não olheis para o caminho/ que a merenda logo vem (...). Todos embevecidos de ouvido à escuta. Nisto apareceu o Américo Madeira que vinha da sua barbearia. Trazia com ele toalhas brancas e uma bata. Logo alguém dos presentes disse: Eu vou a minha casa trago lençóis brancos e vamos aparecer vestidos de branco quando acabar a Desfolhada. -A ideia ganhou força e fomos junto à Padaria dos Irmãos Pires e tiramos duas tábuas velhas que havia ali em monte para aquecer o forno de cozer o pão. Com elas fizemos uma cruz nos braços desta colocámos toalhas brancas e quem levava a cruz vestido com a bata, os restantes embrulhados nos lençóis com se fossem ( penitentes ). Já tudo pronto seguimos para o quintal do Ti Zé Guerra que ficava fronteiro às Portelas. Acabou a Desfolhada e lá vamos nós e numa gritaria cavernosa e a dizer (...) afastai-vos...afastai-vos... afastai-vos. e com pilhas a dar focos de luz na cruz. ( isto em noite escura, sem luar ) Toda a " malta parou "", e apenas no silêncio se ouvia rezar por quem vinha da desfolhada. - Nós todos seguimos numa correria pela Rua da Ladeira até ao ponto de encontro, seguimos cada um para suas casas, com a promessa de nada se falar sobre o acontecido. No dia seguinte todo o Peso comentava diziam ter havido uma aparição de Almas Penadas, na grande maioria das pessoa que eram da desfolhada dormiram em casa do Ti Manuel Paulo ( Palito ) borradas de medo, a quem lhes perguntava o que tinha acontecido diziam que ouviam andai cá que vos desgraço (...) A Juventude desse tempo não era melhor ou pior que a de hoje... Apenas são tempos diferentes felizmente para melhor..
A TERRA DOS MEDOS III
Há momentos em que precisamos de nos afastar em certos momentos da vida.
Havia momentos de registos e vivências talvez surpreendentes, num vaivém entre o passado e o presente.
Corria o ano de 1956 e eu estava a cumprir o serviço militar obrigatório no extinto Batalhão de Caçadores n.º 2, aquartelado na cidade de Covilhã aonde hoje se encontra a UBI.
Nós militares quando vinha o fim de semana, o nosso caminho era o Peso ou os Vales. Eu tinha o namoro nos Vales nesse tempo anexado ao Peso.
O que vou contar foi precisamente quando vinha do namoro.
Entre os Vales e o Peso só existia uma pequena casa na tapada do Ti Manuel Guerra.
Eu saí dos Vales a pé por volta da meia-noite (noite sem lua).
Já perto do Cemitério que servia o Peso e os Vales apareceu-ma em frente um vulto negro e sentia bafejar em todo o descampado só se ouvia o latir dos cães.
Eu resoluto avancei para o vulto e este começou a correr na minha frente.
Na Tapada junto ao Cilindro tirei uma estaca numa horta ali existente, e obriguei o vulto a entrar no Peso e já junto ao chafariz das duas bicas ouvi gritos (credo aberram) e quem gritou fugiu para a Rua da Ladeira em correria, o Peso estava às escuras que a partir de certa hora a luz era desligada.
Nesse momento o vulto seguiu pela Rua Direita e eu parecia por encanto nunca o larguei, junto à Capela do Espírito Santo apareceu o Ti Zé Peixoto munido duma lanterna e me disse: - Olá Zé Vaz o que se passa ? Ouvi barulho e vim ver (...) É aquele vulto que ali vai. Ó homem aquilo é um burro da Ti Rosário Carrega, deixa os animais de noite junto às medas de palha no Penedo.
Logo se aprontou e fomos os dois levá-lo ao Penedo perto das duas horas.
Pelas 7 horas os militares juntavam-se para caminhar a pé até ao quartel.
Havia sempre a companhia dos camaradas de armas dos Vales (fomos sempre muito amigos, um abraço para vocês !) e caminhando por atalhos até ao Tortosendo apanhando a estrada até ao quartel.
Aquando na caminhada começou um soldado recruta a dizer: - Esta noite vi o mafarrico no Largo do Chafariz, era um enorme vulto negro que parecia uma torre. Vinha do namoro da Rua da Ladeira e como moro na Eira ia para casa.
Ao fugir dei cabo dum joelho, quando chegarmos ao quartel tenho que ir pela enfermaria a tratar da ferida.
Fiquei em silêncio e pensei ora aqui está a razão dos gritos.
Dizia: - Ainda tive de dormir na casa da namorada e só tive tempo de ir a casa fardar-me.
Aqui eu lhe disse (...) com um certo ar de divertido, pelo menos mudas-te as cuecas ? Amigo se ainda és vivo conta agora.
Mais uma vez senti, que o medo somos nós que o fazemos, porque o medo não existe.
2016/10/10
JBVP
A TERRA DOS MEDOS IV O meu pai o Ti Zé Vaz, era negociante de cereais comprava e vendia nos mercados de Covilhã, Fundão e outras Terras do Concelho da Covilhã. Tinha uma carroça para fazer o transporte das mercadorias, eu fui o único filho que trabalhou para ele até aos 23 anos, foi assim a minha vida e muito mal compreendida. Era necessário sair muito cedo para se chegar a tempo de abrir a Praça na Covilhã, muitas vezes com neve, chuva e vento de rajada tinha-mos de seguir. A estrada de Vales, Dominguiso, Tortosendo era de terra batida e cheia de buracos.. Havia nesse tempo no Peso muitos tecelões com tear manual. Dando assim trabalho familiar ao encher as canelas e dobar a lã e outros trabalhos ligados à tecelagem. Tinham de ir buscar a matéria prima ao Tortosendo ou Covilhã. E quando a iam devolver já em fazenda pediam ao meu pai se lhes levava os cortes da fazenda na carroça. Certo dia eram 4 horas e o Ti Zé Redondo e o Ti Zé Inocêncio ( Fatela ) esperavam na porta da Taberna eu ao sair para a rua fui bater no Ti Zé Redondo porque não havia luz na rua. disse-me ele? É moço ainda vens a dormir (... ) As ruas eram cobertas de matos para fazer estrume para as terras de cultivo. Os animais andavam à solta pelas ruas , cães, gatos, galinhas, porcos etc, e por vezes apareciam alguns animais selvagens, por exemplo o Lince, o Lobo, a Raposa etc, Quando o meu pai chegou com a carroça e tudo pronto seguimos a caminhada e junto à casa de granito do Ti Artur Morão apareceu o Ti Zé Roberto munido de um cajado e nos disse: É pessoal no meio das minhas cabras aqui na Rua Direita junto à Taberna do Ti Anibal Casteleira apareceu-me coisas estranhas que só pode ser obra do mafarrico, mas eu limpei tudo à cajadada. Seguimos o nosso caminho e no dia seguinte no Peso não se falava de mais nada, tinham morto umas tantas galinhas algumas tinham filhotes ( os pintos )da Ti Miquelina Pereira, porque estas tinham saído do poleiro da sua casa na Rua Direita no Peso..
NA TERRA DOS MEDOS V . - " O Homem só morre quando nós o esquecemos " (... ) Recordo com imensa saudade um Homem Bom, que conheci na aurora da minha juventude. esse Homem foi o Ti José Francisco ( Frade ). Que nas décadas de 40 e 50 do século passado ajudou muitas famílias carenciadas e numerosas ao dar-lhes trabalho na venda de peixe. Foi nessa altura o maior fornecedor de peixe no Concelho da Covilhã. abastecedor do mercado municipal do Tortosendo e ainda tinha várias peixeiras que vendiam porta a porta o célebre carapau do gato que hoje custa um dinheirão, a sardinha e ainda o chicharro três por vinte e cinco tostões., faziam tudo a pé pelas aldeias de Peso, Pesinho, Vales, Coutada, e outras. Que para darem que comer aos filhos / famílias numerosas ) muito sofreram, era gente simples mas muito honesta e, com muita dignidade, que apesar da crise por falta de trabalho, sempre foram pagar a mercearia que compravam fiado na Ti Ana Batista. ( foram tempos muito difíceis ). Esta gente levantava-se sempre muito cedo, para ir levantar à estação do caminho de ferro ao Tortosendo as caixas de peixe, que vinham diiariaamenente da Figueira da Foz .. Juntavam-se junto ao cemitério do Peso-Vales, em dias de frio acendiam fogueiras com ramos de oliveira, isto numa noite escura por volta das três horas da manhã apareceu junto deles/as um mocho ou coruja, conhecidas por aves de má agoiro. Ficaram borrados de medo, dizendo uns para os outros isto só pode ser Alma do outro Mundo. Nesta aldeia pacata a gente com dignidade também teve os seus medos. Recentemente com a vinda de dois extraterrestres numa casa assombrada lá para os lados da serra ao entraram pelo telhado e após coscuvilhar no meio da porcaria encontraram um quadro cheio de pó que se tornou enigmático para eles entraram em comparações um com o outro um dizia isto é do artista espanhol Pablo Picasso o outro dizia isto é do pintor catalão Jean Miró, já entrados na disputa diz um para o outro( ... ) " oh pá, vamos embora já... senão ainda dizem que fomos nós que pintámos o quadro. FIM.